Obscura Luz: exposição coletiva com curadoria de Kiki Mazzucchelli

Apresentação

Talvez tudo no universo seja perecível. Talvez o universo seja perecível. Talvez tudo seja durações. E Deus, apenas a mais longa delas. Não sei.
O que sei é que o perecível difere muito do descartável. O perecível é uma condição metafísica superável pela aceitação da hipótese de que o universo é finito. Já a descartabilidade é uma prática econômico-consumista fundada na ilusão da infinitude.
Acho que essa é, sim, uma questão que merece a reflexão de todo artista, porque ela incide sobre a natureza, o espírito e a aparência do seu produto.
Perecibilidade é sabermos que vamos morrer. Descartabilidade é suicidarmo-nos por causa disto.
Not to be or not to be, eis a questão.

 

Cildo Meireles, sobre o trabalho Obscura Luz


Obscura Luz (1982) consiste em um caixa branca montada na parede, com uma aba lateral sobre a qual se projeta a sombra de uma lâmpada. Nessa obra singular, Cildo Meireles cria uma situação paradoxal, invertendo a lógica da percepção ao apresentar uma fonte de luz que é também sombra. A exposição homônima que ocupará a Galeria Luisa Strina a partir de 16 de julho toma esse trabalho de Cildo como ponto de partida para reunir um conjunto de obras de artistas de diferentes gerações, representados pela galeria ou convidados, que lidam com aspectos físicos ou simbólicos da luz e da sombra.

Fenômenos essenciais da percepção e da experiência humana, a luz e a sombra atravessam, ainda, a arte em suas diversas manifestações ao longo dos séculos. No imaginário ocidental, a luz é tradicionalmente associada à razão - desde o mito de Prometeu, que entregou o fogo à humanidade contra a vontade dos deuses, ou o Iluminismo (Idade da Razão) -, e, ao mesmo tempo, ao divino - particularmente no simbolismo pictórico em que entes divinos são invariavelmente representados como seres que emanam luz. A sombra, por outro lado, representaria, segundo esse mesmo imaginário, o negativo da luz: o desconhecido, o irracional e, em última instância, a morte.

Embora o aspecto dicotômico do simbolismo da luz e sombra esteja fortemente arraigado no imaginário ocidental, a obra Obscura Luz é entendida nessa exposição como uma abertura para novas possibilidades e interpretações desses fenômenos. A mostra parte de um presente em que a crença em uma certa versão daquilo que consistiria a razão ocidental e a ideia de progresso levou à recente emergência de ideologias de extrema direita em diversas partes do mundo e à uma crise ambiental em vias de tornar-se irreversível, evidenciando, assim, as limitações do que seria a definição do “sujeito universal” com acesso a direitos garantidos por lei.

A exposição Obscura Luz parte, portanto, da ideia de “perecibilidade” apresentada por Cildo Meireles para trazer um conjunto de trabalhos que não se submete a um recorte temático unívoco. Pelo contrário, cada um dos trabalhos que integra a mostra é parte de um universo artístico individual, resultando de práticas extremamente distintas que aqui convergem como possíveis respostas à questão: Não ser ou não ser?

 


 

Artistas participantes: Alexandre da Cunha, Anna Maria Maiolino, Bruno Baptistelli, Carole Gibbons, Camila Sposati, Carolina Cordeiro, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle e Thiago Mata Machado, Clarissa Tossin, enorê, Fernanda Gomes, Flávia Vieira, Frederico Filippi, Gerty Saruê, Gilson Plano, Guilherme Ginane, Janina McQuoid, Jarbas Lopes, Ingeborg de Beausacq, Laura Lima, Leonilson, Lia D Castro, Lucas Arruda, Luis Paulo Baravelli, Luisa Lambri, Lygia Pape, Magdalena Jitrik, Marcius Galan, Marepe, Pablo Accinelli, Pedro Reyes, Sarah Lucas, Tonico Lemos Auad, Tracey Moffatt e Tunga.