Fair Trade: Galeria Luisa Strina

Apresentação

O artista apresenta uma série de bordados feitos em colaboração com Luisa Strina e outras obras inéditas. A exposição acontece no novo espaço da galeria: Rua Padre João Manuel, 755 Em seu trabalho, Alexandre da Cunha se apropria de objetos, materiais e citações oriundos de registros tradicionalmente distintos para transformá-los através de um processo de colagem de diferentes elementos. Esta operação geralmente parte de objetos mundanos encontrados num cotidiano qualquer, que são apropriados, recombinados e finalmente inseridos em uma nova hierarquia de valor. Ao trazer estes objetos para dentro do universo da arte, o artista os destitui de sua função original, ao mesmo tempo em que levanta questões relativas a valor, circulação, intencionalidade, entre outras. Em muitos casos, faz também alusões a estilos ou movimentos específicos já estabelecidos dentro da história da arte ocidental oficial, promovendo, com humor (auto)-crítico, um curto-circuito de hierarquias.

Nos bordados reunidos na exposição Fair trade, encontramos justamente este procedimento de colagem, que envolve desde o título da mostra até a complexa rede de referências que esses trabalhos ativam. Fair trade, ou “comércio justo” é um selo que vem sendo cada vez mais utilizado nos países chamados desenvolvidos para designar os produtos adquiridos de países emergentes a preços sustentáveis, em que o produtor recebe uma remuneração considerada adequada, com o intuito de corrigir a exploração promovida pelo comércio internacional convencional. Neste caso, o artista coloca sua própria galerista, Luisa Strina, no papel de produtora: foi ela quem confeccionou manualmente, ao longo de dois anos, um a um, os bordados exibidos nesta mostra. Não se trata aqui, contudo, de uma mera tentativa de inverter uma determinada relação de poder ou de apontar para uma suposta relação de exploração entre galerista e artista – pois este seria um caminho muito simplista dentro da intrincada rede de relações que permeia o circuito da arte contemporânea hoje -, mas de uma operação muito mais complexa que promove uma confusão entre os vários papéis que ela passa a assumir: artesã, artista, galerista, assistente de artista.

Uma atividade como o bordado é normalmente associada às mulheres afeitas aos trabalhos do lar e que não possuem ocupações profissionais; uma imagem que contrasta tremendamente com a figura de uma galerista empreendedora e mulher independente. Esses objetos promovem, portanto, o encontro de dois mundos profundamente distintos.

Há ainda um outro dado em jogo nesta série de trabalhos, que é também relacionado a uma operação de apropriação de um estilo histórico da arte, mas que se dá precisamente na incorporação do fazer feminino que lhe confere uma dimensão distinta de trabalhos anteriores. Trata-se de algo presente nas Droguinhas de Mira Schendel, nas peças maleáveis de Eva Hesse, nos trabalhos em tecido de Louise Bourgeois e até mesmo em Lina Bo Bardi e sua apropriação do saber popular do artesanato nordestino, configurando uma espécie de genealogia não linear de um certo apreço, por parte dessas artistas mulheres, pela pequenez (não no sentido derrogatório) e transitoriedade das coisas cotidianas bem como sua incorporação de técnicas transmitidas principalmente num universo feminino.

O bordado ganha vulto, traduzindo-se então em tapeçaria, e passando a determinar o procedimento construtivo das esculturas em concreto apresentadas nesta exposição. A construção composta de peças industriais, em concreto pré-moldado, é executada a partir do procedimento artesanal de dispô-las, uma a uma, manualmente, sobre o chão da galeria. Essas peças formam uma estrutura rígida, uma espécie de tela ou grid que é entrelaçado pela contrastante maciez de outros materiais como a espuma. Em Fair trade, Alexandre da Cunha se apropria mais uma vez do mundano e do popular, desta vez na forma do artesanato feminino e seus desdobramentos na história da arte, trazendo-os para o universo da arte contemporânea numa espécie de homenagem combinada ao humor crítico de quem reconhece como o potencial revolucionário dessa produção já foi exaustivamente cooptado pelo circuito da arte.

Além de bordados, Alexandre da Cunha apresenta nesta exposição obras inéditas com elementos de cimento, espuma e couro.

Kiki Mazzucchelli ***

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